Às vezes não nos damos conta do quanto as crianças aprendem sobre empreendedorismo sem nem saber o que é empreendedorismo.
Minha filha me mostrou algo que me surpreendeu. Uma pasta cheia de
folhas de fichário em branco, mais de 90 folhas diferentes umas das
outras, constituindo uma bela coleção parecida com aquelas coleções de
papel de carta que as meninas da minha época faziam. Ela começou há
apenas 4 semanas, trocando folhas com suas amigas e já tinha um
resultado surpreendente, aparentemente a coleção mais variada e completa
da classe.
Bem, mas como isso pode me surpreender? Todas as meninas da sua idade
estavam fazendo esta coleção, é típico da idade e não deveria
representar nenhuma novidade, mas o que me surpreendeu foi o seu
aprendizado com o processo. Veja algumas lições sobre valor e negociação
desta singela brincadeira:
1) Folhas grandes valem mais do que folhas pequenas. A troca acontece
na proporção de 1 folha grande por duas pequenas. Uma simples definição
de valor baseado em tamanho.
2) Quanto mais folhas existem do mesmo modelo, menos as amigas querem
trocar, por isso, ao comprar, ela pesquisou bastante e escolheu um
modelo exclusivo, que ninguém tinha e que despertou interesse imediato.
3) Às vezes, quando alguém quer muito uma folha dela, ela barganha por duas da outra, ocasionalmente até mais.
4) Ela não se importa de pegar folhas repetidas quando troca, pois
sabe que é importante ter variedade para poder negociar melhor.
5) No começo, as trocas se limitavam à sua classe, com o tempo, ela
aprendeu que suas chances aumentariam se passasse a trocar com amigas da
vizinhança, colegas dos irmãos, primos e parentes, etc. Com isso, ela
ajudou a disseminar a cultura, aumentando a rede de trocas,
popularizando a prática em outras escolas e aumentando a diversidade de
folhas no mercado.
6) Ela me pediu para comprar um novo bloco de papel com motivos para
meninos. Eu estranhei. Porque suas amigas iriam querer trocar por papéis
de menino? Ela respondeu que não era para trocar com as meninas e sim
com os meninos. Sua meta era clara, assim como os parâmetros de
desempenho: Variedade farta, não importa qual seja o tema, as
oportunidades advindas da diversificação de mercado.
7) Quando seu bloco estava terminando ela parava de trocar para não
ficar sem. Mesmo quando eu assegurava que compraria outro, ela manteve
as restrições de troca. Suas amigas então atribuíram um valor maior às
folhas dela por causa deste comportamento e assim ela acabava obtendo
acordos mais favoráveis, um mecanismo de criação de valor, pela
atribuição de importância.
8) Mesmo tendo sucesso nas trocas com um tema exclusivo, ao renovar
seu estoque ela não queria o mesmo modelo, mas outro igualmente
exclusivo. No começo, os papéis mais bonitos valiam mais, mas com o
tempo, o mercado mudou sua concepção de valor e o que passou a valer
foram as folhas diferentes. Ou seja, na hora de comprar para trocar ou
ao escolher entre um bonito e um exclusivo, este tinha a preferência.
9) A mais recente novidade foi a sua iniciativa de comprar papéis em
branco e ela mesma desenhar e pintar as margens decorativas,
enriquecendo com furadoras em formato de bichos e adesivos diversos.
Cada folha é uma arte única e, quando fica bem desenhado, cada folha
exclusiva vale até 5 folhas normais das colegas.
Às vezes não nos damos conta do quanto as crianças aprendem sobre
empreendedorismo sem nem saber o que é empreendedorismo e muito menos
saber que estão aprendendo. Aprender, para eles, é o que eles fazem na
sala de aula. Eles ignoram o aprendizado embutido nestas atividades
divertidas, lúdicas e interessantes. Quando aproveitados de forma
apropriada, estas experiências podem ser replicadas em outras situações,
também dentro da realidade deles e sempre reforçando estes conceitos de
atribuição e criação de valor. É o garoto que é chamado para os jogos
de futebol porque ele tem a bola, é a menina que reúne sempre as amigas
na sua casa e não gasta um tostão com a comido porque as amigas sempre
levam um prato porque na casa delas não tem piscina, é o jovem nerd que é
sempre chamado nas festas porque ele preparar resumos das aulas para os
colegas estudarem, em todas as atividades vemos exemplos de como se
cria valor a partir de coisas corriqueiras.
As habilidades de negociação também são aprendizados que adquirimos
na infância. Quando algo nos interessa muito, fazemos qualquer coisa
para obtê-la. Com criatividade, mesmo quem não tem salário, orçamento ou
mesada pode oferecer várias coisas no processo de negociação, e assim
aprende que, quanto maior o valor percebido da outra parte no que está
sendo oferecido, maior o poder de barganha. Não é com teoria que
aprendemos isso, é com a prática.
Com o orgulho de quem começa a enxergar os primeiros traços
empreendedores, eu perguntei à minha filha: ‘E para escrever, o que
vocês usam?' Sua resposta foi lacônica: ‘Caderno'. Claro, que outra
resposta poderia esperar dela? Quem vai querer estragar suas ricas e
valiosas folhas de fichário para escrever anotações de aula? Este é mais
um episódio do meu rico e constante aprendizado sobre empreendedorismo
vindo de meus filhos.
FONTE: Cidade Marketing (Por Marcos Hashimoto)
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