Diante de uma sociedade cada vez mais vigiada, Gilberto Leifert
tem a difícil tarefa de conduzir a entidade que estipula
os limites éticos da publicidade — uma das atividades
mais questionadas por ONGs e projetos de lei em tramitação
no Congresso. Entre uma polêmica e outra, o presidente do
Conar conduz a instituição pensando “tanto
em conter as intervenções do Estado quando elas
são injustas quanto em evitar abusos do mercado publicitário
em prejuízo do consumidor”. Nesta entrevista ao Meio
& Mensagem, Leifert, que também é diretor de
relações com o mercado da Rede Globo, expõe
sua visão sobre os debates envolvendo o direito de expressão
comercial. “Há uma confusão entre produto,
consumo e publicidade”, diz. “Não é
esta última que faz mal.”
Meio & Mensagem — Recentemente,
vivenciamos uma cruzada antipublicidade infantil, apesar de o
Conar ter apresentado novas limitações éticas
sobre o tema em 2006. Isso significa que as recomendações
não foram suficientes para tratar o assunto?
Gilberto Leifert — Hoje, em face das
liberdades públicas estarem sendo plenamente exercidas,
o Brasil assiste a uma série de iniciativas aparentemente
destinadas ao aprimoramento da sociedade. Mas, na sua grande maioria,
elas são contaminadas pela falta de razoabilidade. Com
relação ao tema da publicidade infantil, o Conar,
dentro do que é absolutamente razoável e correto
para a proteção às crianças, entendeu
que seria legítimo, sim, restringir a comunicação
endereçada diretamente a elas. Já os críticos
severos e as iniciativas mais exacerbadas contra a publicidade
de produtos e serviços destinados a crianças chegam
ao ponto de pretender a proibição absoluta da participação
delas nos comerciais. Se essa ideia vingar, o Brasil terá
a ceia de Natal sem crianças. Aquela cena tradicional da
família partindo em férias em um carro novo que
tem papai, mamãe e um bagageiro com skate terá o
banco de trás vazio.
M&M — Como o senhor vê a
atuação do Projeto Criança e Consumo, do
Instituto Alana?
Leifert — Acho que há espaço
para a militância, como é o caso do Instituto Alana.
Vejo que ele demonstra um interesse muito específico em
relação à publicidade, quando as carências
das crianças são tantas e existem múltiplas
formas de acudi-las e de melhorar as suas vidas. Mas a publicidade
é uma verdadeira obsessão dessa entidade, e ela
tem, sobretudo, uma exposição exagerada na mídia.
Tem ocupado um espaço que não tem muita proporção
com a relevância dos serviços que presta à
sociedade. Francamente, sei muito pouco das suas realizações;
o que sei é das críticas que faz à publicidade.
M&M — Como o Conar acompanha o
Projeto de Lei (nº 5.921/2001) de autoria do deputado federal
Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que pretende proibir a publicidade
infantil?
infantil?
Leifert — Participamos de todas as
audiências públicas para as quais o Conar é
convidado, com expectativa agora de saber qual o destino desse
projeto. Já se sabe que, ao longo da tramitação,
houve uma maior compreensão do Congresso em relação
à liberdade de expressão comercial, à impossibilidade
de proibição de publicidade no Brasil em face da
Constituição em vigor. Pode acontecer de prevalecer
o bom senso e de se compatibilizar autorregulamentação
com legislação. Isso seria o melhor a fazer.
M&M — Tanto na questão
da publicidade infantil quanto na de bebidas, poderíamos
chegar a um cenário como o do tabaco, de proibição
total?
Leifert — O melhor dos mundos é
quando prevalece o respeito à lei e ao bom senso. Sempre
gosto de lembrar que, quando a Constituição brasileira
estava sendo escrita pela Assembleia Nacional Constituinte, todas
as propostas de proibição de publicidade das diferentes
categorias de produtos — inclusive de bebidas, tabaco e
medicamentos — foram rejeitadas. A Constituição
promulgada em 1988 garante a liberdade de expressão comercial.
Proibição não existe. O risco de artifícios
legais serem impostos para afastar o anunciante da mídia
ou para restringir a sua presença de maneira tão
dramática que seria o mesmo que proibir, como aconteceu
com o tabaco — esse risco existe. E, diante da impossibilidade
de anunciar produtos e serviços lícitos, essas categorias
poderão eventualmente ir à Justiça para fazer
valer o que está escrito na Constituição.
M&M — Existe polêmica em
relação à publicidade infantil, de alimentos,
bebidas, medicamentos... A publicidade está sendo satanizada?
Leifert — Existe uma confusão
entre produto, consumo e publicidade. Os produtos que estão
na mira das proibições e restrições
são as categorias que foram lembradas na Constituição
— que admite restrições à publicidade
de tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos e tratamentos
de saúde e defensivos agrícolas. Essas cinco categorias
estão indicadas na Constituição como merecedoras
de eventuais restrições legais na publicidade. Os
demais produtos e serviços igualmente lícitos não
deveriam estar sujeitos a decisões legais. Não é
a publicidade que faz mal. Se o produto é lícito,
se pode estar na prateleira do supermercado, pode ser anunciado.
O uso abusivo, o uso ilegal, o uso de forma a eventualmente pôr
a saúde própria e de terceiros em risco é
que é objeto de preocupação da autoridade
pública. Deve-se é orientar o consumidor para que
ele não abuse do consumo do produto que pode lhe causar
algum mal.
M&M — Como o Conar e as entidades
ligadas à publicidade poderiam contribuir no sentido de
orientar o consumidor?
Leifert — O Estado é que deve
orientar as pessoas sobre a melhor forma de viver com saúde.
A escola deve fazer isso desde o ensino fundamental. O que pregamos
é que, no lugar de proibir a publicidade, nós —
sociedade, pais, escola, organizações da sociedade
civil e Estado — deveríamos, no ensino fundamental,
transmitir noções sobre hábitos saudáveis,
sobre os riscos do sedentarismo, sobre como alguém deve
analisar as informações transmitidas pela publicidade.
De tal maneira que você teria um adulto apto a conviver
na sociedade de consumo.
M&M — Recentemente, o Conar conseguiu
uma vitória na Advocacia Geral da União, que emitiu
um parecer contra a RDC 96/08 da Anvisa sobre a propaganda de
medicamentos. Mas a Anvisa diz que as normas continuam a valer.
Qual a recomendação às agências e anunciantes
da área?
Leifert — Em 2007, apresentamos representação
à Advocacia Geral da União em relação
à publicidade de bebidas alcoólicas. A AGU entendeu
que esta não poderia ser regulada nem por resolução
da diretoria colegiada da Anvisa nem por decreto, só por
lei votada no Congresso Nacional. Aprendemos aquela lição
e agora, quando se anunciava mais uma vez que a Anvisa adotaria
uma resolução para regular a publicidade de medicamentos,
dirigimos nova representação ao advogado geral da
União, que confirmou o entendimento que o Conar vem manifestando
à Anvisa de que não pode ser por resolução.
O parecer emitido pela AGU é uma orientação
à administração federal. Os advogados da
Anvisa devem estar neste momento estudando a forma pela qual a
agência deverá adequar o seu normativo à sua
área legal de atuação. Nós, mercado
publicitário, só devemos acatamento às leis
produzidas pelo Congresso Nacional. Não fomos nós
que inventamos; está na Constituição. A Anvisa
precisa saber disso.
M&M — Como o senhor vê as
críticas de que o Conar é uma instituição
corporativista, uma vez que pessoas ligadas ao mercado publicitário
julgam questões de publicidade?
Leifert — Ouço dizer, vez por
outra, de algumas entidades e instituições que o
Conar não funciona, mas elas todas reclamam para o Conar.
Temos aqui um repertório bastante significativo de entidades
importantes que endereçam reclamações ao
Conar porque confiam na idoneidade da instituição;
caso contrário, não fariam isso, e porque têm
certeza de que os resultados se apresentam. Tudo o que puder ser
feito pela própria sociedade para afastar o risco de intervenção
do Estado em atividades que dependem de liberdade, como é
o caso da publicidade, tudo o que a sociedade puder fazer em sua
própria defesa é muito bom.
M&M — A participação
da sociedade civil vem aumentando no Conar?
Leifert — Acreditamos que, se o Conar
se comunicasse com mais insistência e frequência,
talvez essa presença ficasse ainda mais evidente. Mas os
números que a gente tem nos tranquilizam. Vou lhe dar um
dado que é muito relevante para nós: embora no Congresso
Nacional existam em tramitação mais de duas centenas
de projetos de lei mirando a publicidade, sugerindo, portanto,
que o tema preocupa deputados e senadores, os números indicam
que as reclamações contra a publicidade no Brasil
são insignificantes diante do volume de anúncios
a que a população está exposta (as queixas
de consumidores sobre propagandas encaminhadas aos Procons de
19 Estados equivalem a 0,86% do total das 93.872 reclamações
entre setembro de 2007 e agosto de 2008). O público não
demonstra o grau de insatisfação, de frustração
ou de prejuízo que supostamente poderia haver no Brasil.
Existe uma evidente dissonância entre a atenção
que a publicidade recebe neste momento no Congresso Nacional e
de algumas organizações que a demonizam.
M&M — Qual a sua opinião
sobre os acordos feitos por empresas de alimentos relativos à
publicidade infantil?
Leifert — Fiquei um pouco chocado.
Porque elas estavam sujeitas no Brasil às regras da autorregulamentação,
que são mais rigorosas do que aquelas que elas dizem que
estão obedecendo agora. Algumas saíram dizendo que
passaram a fazer isso em função de um pledge internacional.
Não é verdade, elas estavam, sim (sujeitas às
recomendações do Conar). É um desconhecimento
daquilo que já era exigido.
M&M — Quando o senhor assumiu
o novo mandato no Conar, foi levantada a questão de aprofundar
o tema da sustentabilidade na publicidade. O que já foi
feito nesse sentido?
Leifert — O Conar não deseja
ter a primazia de estabelecer regras antes de conhecer caminhos.
Já se viu, por exemplo, que na Europa alguns anunciantes
começaram a se apropriar de conceitos sobre verde, sobre
valores relacionados à sustentabilidade, como um monopólio.
Como se essa qualificação um pouco abstrata pudesse
se tornar um grande ativo da comunicação. Estamos
observando muito o que se faz no Brasil hoje, o que se faz lá
fora, antes de escrever regras aqui sobre esse tema. Mas ele continua
na ordem do dia.
M&M — O senhor é também
diretor de relações com o mercado da Rede Globo.
Houve em algum momento conflito entre a atuação
na emissora e no Conar?
Leifert — Não atuo de maneira
muito rigorosa nos casos em que direta ou indiretamente a Globo
tenha interesse no resultado ou seja alvo de uma reclamação.
O Conar nem consulta, já direciona essas reclamações
a um vice-presidente, e os casos são conduzidos normalmente
sem que eu participe. Em relação à elaboração
das regras, sou um dos representantes do rádio e da TV.
É uma das minhas incumbências, assim como dos meus
companheiros representantes de outros meios, olhar os interesses
do setor representado. No dia a dia, procuro olhar a floresta
inteira ou a mídia plena. Prefiro não particularizar,
embora admita que tenha olhos muito severos com a televisão.
A Globo me apoia nesse esforço diante da certeza de que,
quão mais elevado for o padrão ético da TV,
melhor será para o negócio.
M&M — É difícil
encontrarmos mercados autorregulamentados como o publicitário.
Isso é um indicativo de maturidade ou uma atitude de autodefesa?
Leifert — São as duas coisas.
No aniversário do Conar de 25 anos, lembrei uma frase do
(estadista britânico Winston) Churchill que dizia que “para
tudo existe uma boa razão e a verdadeira” e nós
estamos diante dessa situação. A defesa da liberdade
de expressão comercial, a defesa da atividade, ela é
a grande razão, mas existe também a certeza de que
o fluxo de informação nos meios de comunicação
de massa depende de liberdade de imprensa, e a imprensa, para
ser livre, depende da receita publicitária.
M&M — Este é o seu sexto
mandato (bianual) à frente do Conar. Vem um sétimo
pela frente?
Leifert — Acho que já terei
dado, em termos de tempo e de dedicação, a contribuição
que eu estava à altura de dar. Já tenho tempo para
pedir ao Conar a aposentadoria.
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