quarta-feira, 11 de abril de 2012

Pela ética na publicidade

Diante de uma sociedade cada vez mais vigiada, Gilberto Leifert tem a difícil tarefa de conduzir a entidade que estipula os limites éticos da publicidade — uma das atividades mais questionadas por ONGs e projetos de lei em tramitação no Congresso. Entre uma polêmica e outra, o presidente do Conar conduz a instituição pensando “tanto em conter as intervenções do Estado quando elas são injustas quanto em evitar abusos do mercado publicitário em prejuízo do consumidor”. Nesta entrevista ao Meio & Mensagem, Leifert, que também é diretor de relações com o mercado da Rede Globo, expõe sua visão sobre os debates envolvendo o direito de expressão comercial. “Há uma confusão entre produto, consumo e publicidade”, diz. “Não é esta última que faz mal.”
Meio & Mensagem Recentemente, vivenciamos uma cruzada antipublicidade infantil, apesar de o Conar ter apresentado novas limitações éticas sobre o tema em 2006. Isso significa que as recomendações não foram suficientes para tratar o assunto?
Gilberto LeifertHoje, em face das liberdades públicas estarem sendo plenamente exercidas, o Brasil assiste a uma série de iniciativas aparentemente destinadas ao aprimoramento da sociedade. Mas, na sua grande maioria, elas são contaminadas pela falta de razoabilidade. Com relação ao tema da publicidade infantil, o Conar, dentro do que é absolutamente razoável e correto para a proteção às crianças, entendeu que seria legítimo, sim, restringir a comunicação endereçada diretamente a elas. Já os críticos severos e as iniciativas mais exacerbadas contra a publicidade de produtos e serviços destinados a crianças chegam ao ponto de pretender a proibição absoluta da participação delas nos comerciais. Se essa ideia vingar, o Brasil terá a ceia de Natal sem crianças. Aquela cena tradicional da família partindo em férias em um carro novo que tem papai, mamãe e um bagageiro com skate terá o banco de trás vazio.
M&M Como o senhor vê a atuação do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana?
LeifertAcho que há espaço para a militância, como é o caso do Instituto Alana. Vejo que ele demonstra um interesse muito específico em relação à publicidade, quando as carências das crianças são tantas e existem múltiplas formas de acudi-las e de melhorar as suas vidas. Mas a publicidade é uma verdadeira obsessão dessa entidade, e ela tem, sobretudo, uma exposição exagerada na mídia. Tem ocupado um espaço que não tem muita proporção com a relevância dos serviços que presta à sociedade. Francamente, sei muito pouco das suas realizações; o que sei é das críticas que faz à publicidade.
M&MComo o Conar acompanha o Projeto de Lei (nº 5.921/2001) de autoria do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), que pretende proibir a publicidade
infantil?
Leifert Participamos de todas as audiências públicas para as quais o Conar é convidado, com expectativa agora de saber qual o destino desse projeto. Já se sabe que, ao longo da tramitação, houve uma maior compreensão do Congresso em relação à liberdade de expressão comercial, à impossibilidade de proibição de publicidade no Brasil em face da Constituição em vigor. Pode acontecer de prevalecer o bom senso e de se compatibilizar autorregulamentação com legislação. Isso seria o melhor a fazer.
M&MTanto na questão da publicidade infantil quanto na de bebidas, poderíamos chegar a um cenário como o do tabaco, de proibição total?
LeifertO melhor dos mundos é quando prevalece o respeito à lei e ao bom senso. Sempre gosto de lembrar que, quando a Constituição brasileira estava sendo escrita pela Assembleia Nacional Constituinte, todas as propostas de proibição de publicidade das diferentes categorias de produtos — inclusive de bebidas, tabaco e medicamentos — foram rejeitadas. A Constituição promulgada em 1988 garante a liberdade de expressão comercial. Proibição não existe. O risco de artifícios legais serem impostos para afastar o anunciante da mídia ou para restringir a sua presença de maneira tão dramática que seria o mesmo que proibir, como aconteceu com o tabaco — esse risco existe. E, diante da impossibilidade de anunciar produtos e serviços lícitos, essas categorias poderão eventualmente ir à Justiça para fazer valer o que está escrito na Constituição.
M&M Existe polêmica em relação à publicidade infantil, de alimentos, bebidas, medicamentos... A publicidade está sendo satanizada?
LeifertExiste uma confusão entre produto, consumo e publicidade. Os produtos que estão na mira das proibições e restrições são as categorias que foram lembradas na Constituição — que admite restrições à publicidade de tabaco, bebidas alcoólicas, medicamentos e tratamentos de saúde e defensivos agrícolas. Essas cinco categorias estão indicadas na Constituição como merecedoras de eventuais restrições legais na publicidade. Os demais produtos e serviços igualmente lícitos não deveriam estar sujeitos a decisões legais. Não é a publicidade que faz mal. Se o produto é lícito, se pode estar na prateleira do supermercado, pode ser anunciado. O uso abusivo, o uso ilegal, o uso de forma a eventualmente pôr a saúde própria e de terceiros em risco é que é objeto de preocupação da autoridade pública. Deve-se é orientar o consumidor para que ele não abuse do consumo do produto que pode lhe causar algum mal.
M&MComo o Conar e as entidades ligadas à publicidade poderiam contribuir no sentido de orientar o consumidor?
LeifertO Estado é que deve orientar as pessoas sobre a melhor forma de viver com saúde. A escola deve fazer isso desde o ensino fundamental. O que pregamos é que, no lugar de proibir a publicidade, nós — sociedade, pais, escola, organizações da sociedade civil e Estado — deveríamos, no ensino fundamental, transmitir noções sobre hábitos saudáveis, sobre os riscos do sedentarismo, sobre como alguém deve analisar as informações transmitidas pela publicidade. De tal maneira que você teria um adulto apto a conviver na sociedade de consumo.
M&MRecentemente, o Conar conseguiu uma vitória na Advocacia Geral da União, que emitiu um parecer contra a RDC 96/08 da Anvisa sobre a propaganda de medicamentos. Mas a Anvisa diz que as normas continuam a valer. Qual a recomendação às agências e anunciantes da área?
LeifertEm 2007, apresentamos representação à Advocacia Geral da União em relação à publicidade de bebidas alcoólicas. A AGU entendeu que esta não poderia ser regulada nem por resolução da diretoria colegiada da Anvisa nem por decreto, só por lei votada no Congresso Nacional. Aprendemos aquela lição e agora, quando se anunciava mais uma vez que a Anvisa adotaria uma resolução para regular a publicidade de medicamentos, dirigimos nova representação ao advogado geral da União, que confirmou o entendimento que o Conar vem manifestando à Anvisa de que não pode ser por resolução. O parecer emitido pela AGU é uma orientação à administração federal. Os advogados da Anvisa devem estar neste momento estudando a forma pela qual a agência deverá adequar o seu normativo à sua área legal de atuação. Nós, mercado publicitário, só devemos acatamento às leis produzidas pelo Congresso Nacional. Não fomos nós que inventamos; está na Constituição. A Anvisa precisa saber disso.
M&M Como o senhor vê as críticas de que o Conar é uma instituição corporativista, uma vez que pessoas ligadas ao mercado publicitário julgam questões de publicidade?
Leifert Ouço dizer, vez por outra, de algumas entidades e instituições que o Conar não funciona, mas elas todas reclamam para o Conar. Temos aqui um repertório bastante significativo de entidades importantes que endereçam reclamações ao Conar porque confiam na idoneidade da instituição; caso contrário, não fariam isso, e porque têm certeza de que os resultados se apresentam. Tudo o que puder ser feito pela própria sociedade para afastar o risco de intervenção do Estado em atividades que dependem de liberdade, como é o caso da publicidade, tudo o que a sociedade puder fazer em sua própria defesa é muito bom.
M&MA participação da sociedade civil vem aumentando no Conar?
LeifertAcreditamos que, se o Conar se comunicasse com mais insistência e frequência, talvez essa presença ficasse ainda mais evidente. Mas os números que a gente tem nos tranquilizam. Vou lhe dar um dado que é muito relevante para nós: embora no Congresso Nacional existam em tramitação mais de duas centenas de projetos de lei mirando a publicidade, sugerindo, portanto, que o tema preocupa deputados e senadores, os números indicam que as reclamações contra a publicidade no Brasil são insignificantes diante do volume de anúncios a que a população está exposta (as queixas de consumidores sobre propagandas encaminhadas aos Procons de 19 Estados equivalem a 0,86% do total das 93.872 reclamações entre setembro de 2007 e agosto de 2008). O público não demonstra o grau de insatisfação, de frustração ou de prejuízo que supostamente poderia haver no Brasil. Existe uma evidente dissonância entre a atenção que a publicidade recebe neste momento no Congresso Nacional e de algumas organizações que a demonizam.
M&M Qual a sua opinião sobre os acordos feitos por empresas de alimentos relativos à publicidade infantil?
LeifertFiquei um pouco chocado. Porque elas estavam sujeitas no Brasil às regras da autorregulamentação, que são mais rigorosas do que aquelas que elas dizem que estão obedecendo agora. Algumas saíram dizendo que passaram a fazer isso em função de um pledge internacional. Não é verdade, elas estavam, sim (sujeitas às recomendações do Conar). É um desconhecimento daquilo que já era exigido.
M&MQuando o senhor assumiu o novo mandato no Conar, foi levantada a questão de aprofundar o tema da sustentabilidade na publicidade. O que já foi feito nesse sentido?
LeifertO Conar não deseja ter a primazia de estabelecer regras antes de conhecer caminhos. Já se viu, por exemplo, que na Europa alguns anunciantes começaram a se apropriar de conceitos sobre verde, sobre valores relacionados à sustentabilidade, como um monopólio. Como se essa qualificação um pouco abstrata pudesse se tornar um grande ativo da comunicação. Estamos observando muito o que se faz no Brasil hoje, o que se faz lá fora, antes de escrever regras aqui sobre esse tema. Mas ele continua na ordem do dia.
M&M O senhor é também diretor de relações com o mercado da Rede Globo. Houve em algum momento conflito entre a atuação na emissora e no Conar?
LeifertNão atuo de maneira muito rigorosa nos casos em que direta ou indiretamente a Globo tenha interesse no resultado ou seja alvo de uma reclamação. O Conar nem consulta, já direciona essas reclamações a um vice-presidente, e os casos são conduzidos normalmente sem que eu participe. Em relação à elaboração das regras, sou um dos representantes do rádio e da TV. É uma das minhas incumbências, assim como dos meus companheiros representantes de outros meios, olhar os interesses do setor representado. No dia a dia, procuro olhar a floresta inteira ou a mídia plena. Prefiro não particularizar, embora admita que tenha olhos muito severos com a televisão. A Globo me apoia nesse esforço diante da certeza de que, quão mais elevado for o padrão ético da TV, melhor será para o negócio.
M&MÉ difícil encontrarmos mercados autorregulamentados como o publicitário. Isso é um indicativo de maturidade ou uma atitude de autodefesa?
LeifertSão as duas coisas. No aniversário do Conar de 25 anos, lembrei uma frase do (estadista britânico Winston) Churchill que dizia que “para tudo existe uma boa razão e a verdadeira” e nós estamos diante dessa situação. A defesa da liberdade de expressão comercial, a defesa da atividade, ela é a grande razão, mas existe também a certeza de que o fluxo de informação nos meios de comunicação de massa depende de liberdade de imprensa, e a imprensa, para ser livre, depende da receita publicitária.
M&M Este é o seu sexto mandato (bianual) à frente do Conar. Vem um sétimo pela frente?
LeifertAcho que já terei dado, em termos de tempo e de dedicação, a contribuição que eu estava à altura de dar. Já tenho tempo para pedir ao Conar a aposentadoria.

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