quinta-feira, 19 de abril de 2012

A ameaça da desindustrialização II

A maioria dos economistas está de acordo sobre as causas da  baixa taxa de crescimento da economia brasileira e, principalmente, da indústria, nos últimos anos: carga tributária alta, taxa de juros elevada, câmbio valorizado e a precária infraestrutura nacional.
No entanto, fazer o diagnóstico correto não implica automaticamente na adoção de políticas eficazes e consistentes. Aliás, o que vemos no nosso país é uma situação de descasamento entre diagnóstico e políticas. Senão vejamos.
O governo tem usado basicamente três instrumentos de política econômica para proteger setores ou segmentos da indústria em dificuldades: barreiras comerciais, desoneração temporária de tributos e mais crédito com algum grau de subsídio. Sem exagero, a política industrial brasileira há muito tempo resume-se à aplicação desses três instrumentos. 
Sobre as barreiras comerciais, há muito tempo os economistas identificaram forte correlação entre livre comércio e crescimento econômico. Quanto maior forem as exportações e as importações do país, mais próspero ele será. É fácil de compreender: o país que muito exporta muito gera recursos para importar bens e tecnologias que não tem capacidade de produzir. A indústria nativa e os consumidores ganham com isso. A indústria porque pode comprar equipamentos mais modernos, atualizar-se tecnologicamente e melhorar a produtividade. Os consumidores porque podem comprar bens que não são fabricados no país. A abertura comercial, portanto, em tese, é boa para o desenvolvimento.
As barreiras tarifárias, quando usadas em larga escala e transformadas em políticas permanentes, produzem o efeito contrário. Além de encarecer os bens para os consumidores, no longo prazo condenam a indústria-alvo ao atraso tecnológico e à baixa competitividade. O exemplo da indústria automobilística é ilustrativo. Durante décadas, os brasileiros podiam comprar apenas carros fabricados aqui. Protegida, a indústria nacional fabricava carros tecnologicamente atrasados e ainda por cima mais caros do que os fabricados em outros países. Levamos quarenta anos para abrir esse mercado e permitir que o brasileiro pudesse comprar carros modernos e mais baratos.
Com relação ao crédito, o simples aumento da oferta de dinheiro não resolve o problema. Ainda que as taxas de juros sejam subsidiadas, as empresas sabem que o seu problema de competitividade não reside apenas no acesso ao crédito, mas nos demais custos elevados para produzir, como encargos trabalhistas, sistema tributário burocrático e oneroso e infraestrutura deficiente.  
Todos os países, em algum grau, protegem as suas empresas ou setores menos competitivos. Não se pode, ingenuamente, imaginar um comércio totalmente livre de barreiras. Todos utilizam subsídios, cotas de importação, impostos de importação, etc. A diferença refere-se ao grau de proteção. Quando o protecionismo é usado em larga escala produz as seguintes  consequências: 
a)    cria um poderoso incentivo ao atraso tecnológico das empresas beneficiadas;
b)    torna os produtos mais caros para os consumidores;
c)    em determinados setores, incentiva o contrabando e o mercado negro e, por conseguinte, a sonegação fiscal.
Por isso, é recomendável que as políticas protecionistas sejam usadas apenas para resguardar temporariamente os setores mais vulneráveis, dando-lhes fôlego para recuperar o atraso em relação aos seus concorrentes. Recomenda-se aplicá-las juntamente com metas de aumento de produtividade e modernização tecnológica. 
A redução de tributos, embora positiva, é sempre discricionária. Por que premiar um setor e não outro? Qual o critério para dar desoneração para automóveis, geladeiras e máquinas de lavar roupa e não para sofás, mesas, cadeiras, lâmpadas, fios, cimento, condicionadores de ar, arroz, carne, leite etc?
Finalmente, no regime de câmbio livre e flutuante atualmente adotado pelo Brasil, o governo tem poucos instrumentos para interferir diretamente no valor do real ante o dólar. Sem mudar o regime cambial, pode interferir apenas por medidas administrativas e tributárias. Na maioria das vezes, os efeitos dessas medidas tem se mostrado nulos ou muito limitados. 
É preciso separar as medidas de curto prazo das  de médio e longo prazos. No curto prazo, como dissemos, as desonerações, isenções, subsídios e oferta de crédito podem ser usadas com certo êxito. Mas é importante compreender que elas não terão efeito amplo na competitividade da indústria nacional.
Para que a indústria nacional atinja um novo patamar de produtividade é preciso um conjunto de ações horizontais que produzam efeito sistêmico na economia em pelo menos quatro frentes: a) incentivo à pesquisa e desenvolvimento tecnológico; b) redução do custo do capital e dos encargos trabalhistas; c) qualificação da força de trabalho e d) melhoria das condições da infraestrutura nacional. Ou seja, é preciso medidas que alterem drasticamente os fatores que entravam a expansão e a competitividade do conjunto da indústria nacional. Isso leva tempo, precisa persistência e foco, mas é o único caminho consistente.
Nota: Depois que havia escrito este artigo, saiu o novo pacote de ajuda do governo federal à indústria nacional (03/04). O pacote consiste em diversas iniciativas pontuais, seletivas, que devem trazer um pouco de alívio no caixa de certos setores e empresas, mas que estão ainda distantes de focar os problemas estruturais que reduzem a competitividade da indústria nacional. Nas próximas semanas, pretendo comentar mais a respeito do tema. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário