Por David da Silva Sousa*
Outro dia, ouvi um criativo dizer que o atendimento está mais para uma
secretária organizada. Isso quando ele é bom. E, justamente por serem
organizados, os briefings também o são, tornando-se motivo de orgulho
para a área, que cria a falsa sensação de poder disparar a sua
competência contra o restante da agência, em especial, contra a criação.
O dito é: faço minha parte! Esquecendo-se simplesmente de que, uma
parte precisa das outras para ser o todo, o fim do funil.
Por outro lado, os criativos saem da faculdade entendendo que
propaganda é fazer anúncios de páginas duplas com uma sacada bacana e
empurrando para cima do atendimento a responsabilidade de vender. E, se
não vender, (empurrar goela abaixo do cliente) é burro. O pior é que
muitas vezes, a ideia é equivocada, portanto ineficiente, e só
retroalimenta um alter ego que parece agonizar.
Por conta de tantos equívocos, os cliente começaram a pôr sempre a faca
no peito da agência, pois propaganda é cara e os artistas querem
prêmios e gelo no uísque. Entendem que somos meros vendedores de
centímetros coluna e 30 segundos na TV. Devo admitir que, em alguns
casos, eles têm razão. A culpa é do modelo, diria alguns, inclusive eu,
mas agora o jogo está mudando, e rápido. Temos mais telas, mais
oportunidades, mais chances de business. Agora o cliente é mais
informado, ansioso e exigente. Agora o poder está nas mãos dos antigos
telespectadores.
Esse ménage à trois gerou um filho incestuoso da miopia com a burrice e
a covardia. Campanhas medrosas e ruins. É um saco assistir televisão!
Mas é preciso faturar, pagar as contas e mediocrizar. Chegamos à medida
do fundo do poço. Os talentos fogem para outros países ou para outras
áreas, onde ainda é possível ser um comunicólogo. Agências são ambientes
tristes e cinzentos. Estamos com os enjôos da gravidez e logo virá a
dor do parto.
Sou diretor de arte. Comecei antes do computador e hoje amo e odeio
essa máquina. Ela trouxe praticidade mas também a má formação, ou mesmo,
a deformação do meu job description. Se for bom em Photoshop, tá
dentro. Também sou diretor de criação e aí começam os problemas. O
alento e desespero é saber que isso ocorre mesmo em São Paulo, que é o
maior mercado da América Latina: a enorme dificuldade de se encontrar
gente capaz de criar um conceito. Parece exagero, mas não é. Assim como o
famoso Denorex.
Outro dia, conversando com um dono de agência em Sampa, ele me contava
da dificuldade de se encontrar gente que resolva um job de forma
inteligente e profissional, e não apenas com uma sacada qualquer.
Explico: eu gosto de sacadas, gosto de prêmios e de ideias brilhantes,
mas gosto de conceitos e posicionamentos geniais. Itaú Personnalité. Só é
perfeito para nós, quando é perfeito para você. Putz,é genial! Ou a
campanha Keep Walking. Os anúncios não ganharam prêmios, mas são
raciocínio e inteligência em último grau. Conceito forte, toca,
posiciona, identifica. E o melhor, dentro do mesmo conceito a Neogama
criou o filme “Keep Walking Brazil”, potencial de ouro em Cannes. Desculpe se me empolguei. Gosto de propaganda, demais até. Sou workaholic convicto, sem dramas.
Voltando ao assunto do meu amigo, ele é um calejado atendimento e
trabalhou em mais outros três países e dois continentes. Mas tem
dificuldade, (isso também por culpa dos próprios donos), pela
juniorização das agências, por remunerar gente que só tem o lado
palhaço, e não o de dono de circo também. Agora pagam o preço. Das
grandes às pequenas, todas vivem esse drama. Ressalto que essa
juniorização também está nas empresas e em todos os setores das
agências.
A força e a gana da juventude e suas aspirações criativas são uma mola
propulsora importante para o nosso mercado, sem dúvida, mas é preciso
gente com cancha para formar um profissional que domine sua criatividade
e saiba que, atender e criar é o core business do nosso negócio e não
apenas secretariar ou trafegar.
Precisamos nos reinventar. Apenas o Brasil trabalha com os 20% de
mídia. Isso é nocivo para o negócio e para quem trabalha para o negócio.
Um modelo arcaico que é um contraponto exato do posicionamento que
conseguimos lá fora, como uma das três potências mundiais em propaganda.
Posto esse, cada vez mais ameaçado pelos motivos que citei e por uma
porção de outros mais.
Quem conquista a plateia é o palhaço, mas ser dono de circo também é importante.
* David da Silva Sousa, Diretor de Criação da Marcca Comunicação
FONTE: AcontecendoAqui
FONTE: AcontecendoAqui
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