quarta-feira, 19 de junho de 2013

Lápis com ponta de estilete.

Por: Luiz Henrique Rosa

Sempre gostei de lápis bem apontado.
E, decididamente, um lápis só pode se dizer bem apontado se foi esculpido com estilete. "Esculpido" é um termo meio forte, mas me falta vocabulário pra definir melhor a diferença entre uma ponta comum e uma produzida à estiletadas.
Bem, durante muito tempo eu apontava todos os lápis que encontrava na agência de publicidade que eu trabalhava. Enquanto fazíamos "reuniões de brain" (forma preguiçosa da palavra "brainstorming"- tempestade de ideias) eu me distraia demoradamente desbastando as arestas agudas; e relaxava afinando e arredondando a ponta rombuda de lápis soltos pelas canecas e porta-lápis da agência.
Sempre da mesma forma: tirando lascas laterais de modo a arredondar o pau que se desnudava por debaixo da cor externa e superficial.
Como um artesão criando, eu ia revelando a tês inconfundível do madeira.
Sempre  que alguém estranhava aquela obsessão eu, sem vacilar, obtemperava (não vou no dicionário ver se empreguei certo a palavra estranha que incorporei agora)  que provavelmente Walt Disney havia desenhado o primeiro Pato Donald com um assim: preciso, afiado, pontiagudo, estiletado, como os lápis devem ser.
Jamais uma obra-prima sairia de uma ponta rotunda, tosca, sem forma.
Não tenha dúvida, verdadeiras obras de arte da pintura, da publicidade, do cinema, das HQ, das artes plásticas nasceram da ponta de um lápis afiado. Nunca de um computador com uma mesa e uma caneta digital. Me poupe.
E de todas as possibilidades de realizar uma boa ponta para a criação, o apontador escolar é a mais ridícula.
O apontador escolar é econômico demais, não quer gastar a madeira, quase esconde o grafite, põe à mostra o mínimo do veio. Não é inspirador.
É inconcebível o belo nascer de um ferramental mal acabado, de um lápis mauricinho, todo  certinho e econômico.
Já um lápis apontado com navalha machuca o papel com o seu fio. Rasga o branco da folha com precisão e destreza milimétrica, tem uma rebeldia, uma maldade, uma fúria contida (ou incontida?) no grafite agressivo, acusador.
Bem..ali, estou eu:  apontando capa lápis...pacientemente, como o caçador primitivo preparando dardos de madeira para acertar com exatidão alguma ideia selvagem.
Lápis são flechas envenenadas na mão de caçadores de elite.
Quem pode afirmar quão inspiradores foram aqueles fios de madeira com grafite no meio? Quem pode inocentá-los da criatividade que fluia daquelas salas de reunião, daquelas folhas de ofício brancas? Quantas A4 foram dobradas e levadas para serem decifrados mais tarde e transformados em filmes e comerciais? Quantos patos donalds e mickeys não surgiriam mundo afora se mais gente se dedicassem a apontar seus lápis com estilete?
 
 
escrever à caneta
no papel
tem uma leveza
que nenhum teclado
sonha
 
à lápis
o atrito
do epigrama
na lápide
de granito
 
a tela branca
acesa
manchada de tinta seca
pelos dedos
distantes
não sabe
que o poeta
e o papel
já foram amantes
 
Silvestrin, Ricardo, em  Metal, Artes e Ofícios, 2013 - pág 80.

FONTE: AdOnline

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