quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A crise espanhola e seu reflexo na publicidade

Que a Espanha atravessa uma crise econômica severa acho que todos já sabem. Conto rapidamente minha experiência pessoal. Eu dei azar. Cheguei aqui em julho de 2007 e em 2008 a bomba estourou. No início, a crise parecia coisa dos noticiários. Mas o cerco foi se fechando. Meu sogro – músico – foi despedido da televisão em que trabalhava. Meu cunhado – que com sua família tem uma empresa de construções e reformas – viu seus clientes desaparecerem da noite para o dia.  Na minha casa, íamos levando. Eu estava em um bom posto na Embaixada do Brasil e minha esposa tem um trabalho que até então parecia intocável: é funcionária pública, professora de inglês em um colégio da Comunidade de Madri. Acontece que, com o aperto da crise, sobrou até para os funcionários públicos: o décimo terceiro deste ano, por exemplo, foi simplesmente cortado, medida que terá o previsível efeito de estancar o consumo numa época, a das festas de fim de ano, que tradicionalmente representa um respiro à indústria e ao comércio.
A crise se alastra. Entre muitos outros estragos sociais, cito um que entrou em vigor ontem, de claro talante xenófobo: os imigrantes residentes na Espanha sem documentos em dia perdem o acesso à sanidade pública. Mais medidas: recorte de 175 milhões de Euros no orçamento das universidades públicas, o que levou, inclusive, a uma manifestação nesta segunda-feira – dia de volta às aulas – em que os próprios docentes chamavam à “desobediência civil contra los recortes”. A guerra está instaurada.
O desmantelamento de serviços sociais básicos como saúde e educação leva ao deterioro do bem-estar social. O governo atual, de Mariano Rajoy, optou por concentrar todos os seus esforços para obedecer às regras da União Europeia – leia-se Alemanha e Ângela Merkel – em prejuízo de seus cidadãos. Sem emprego, sem possibilidade de boa escolarização e sem atendimento médico, o destino dos menos preparados são os albergues, as ruas, a mendicância e a aglomeração nas periferias das grandes cidades. Enquanto isso, os mais preparados saem do país em busca de oportunidades (entre os destinos preferidos, aliás, está o Brasil).
Por coincidência, o El País de hoje (04/09/2012) traz na última página entrevista com o brasileiro Leonardo Martins, representante na Espanha da Cufa – Central Única de Favelas. O título da matéria: “Em Madrid hay favelas, aunque no se llaman así”. Não é preciso dizer mais nada.
Mas o que vem acontecendo com a publicidade espanhola (reconhecida desde sempre como uma das melhores do mundo) nesse entorno econômico desfavorável? Devemos, creio, estabelecer dois níveis de análise, um puramente numérico e comercial e outro criativo. O numérico: a quantidade de anúncios nas mídias tradicionais diminui a olhos vistos. O El País de hoje que tenho em mãos tem magras 56 páginas, pouco para os padrões do jornal mais lido da Espanha. Há tão somente – acabo de contar – onze anúncios, muitos deles de rodapé ou de um quarto de página. Dos onze, seis são de agências de viagem, que buscam, neste momento de fim de férias escolares, atingir o público aposentado. Há um único de celular e, para a minha surpresa, nenhum de carro, dois setores que ultimamente encabeçavam as listas de anunciantes. A conclusão é óbvia. O montante empresarial destinado à publicidade vem despencando.
E a criatividade? Extraio do Facebook sábio comentário do colega Jonas Costa: “para boas ideias não existe crise, só na hora de produzir”. Em teoria, estou de pleno acordo. Mas quero comentar um par de coisas. Primeira: a impressão que tenho é que criativo jovem, em geral, desaprendeu a criar sem o apoio da tecnologia e da possibilidade da superprodução. Segunda, e mais importante: a boa ideia logicamente pode nascer nesse ambiente adverso (o ambiente adverso pode, inclusive, estimular a boa ideia – a velha história de transformar problema em oportunidade). Mas aí entra um ingrediente indesejável que só quem está aqui pode notar: a falta de motivação, o desânimo generalizado que assola o país. O espanhol está cansado de quatro anos de crise e recortes, e a desmotivação afeta todos os níveis da sociedade, chegando até ao nosso pobre criador publicitário. Imaginemos o redator que sai de sua casa manhã após manhã para a agência, pega o metrô (que subiu de preço), tropeça pelo caminho com um pedinte, senta-se em sua mesa de trabalho, dá uma olhadela nas manchetes desanimadoras dos jornais e não tem sequer a perspectiva da cerveja com os amigos no fim do expediente (nos tempos que correm, não convém gastar com supérfluos). Seu salário é o mesmo de quatro anos atrás e provavelmente continuará o mesmo pelos quatro anos seguintes. Terá forças esse sujeito – operário da criação publicitária – para buscar a ideia genial ou preferirá abrir a gaveta e reciclar velhas fórmulas de anúncios do ano passado?

Favela em Madri (em espanhol, “chabola”).

FONTE: Acontecendo Aqui

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