sexta-feira, 3 de junho de 2011

Dar liberdade aos funcionários ajuda empresa a inovar

 

Depois de visitar várias corporações no Brasil, o especialista americano em inovação Michael Schrage não tem mais dúvida: nosso principal problema é compartilhar informação
         
O Brasil pode se tornar líder global em inovação. Para chegar lá, contudo, as empresas precisam promover a cultura da cooperação. O conselho parte do professor do MIT Sloan School Michael Schrage, 50 anos. “Estruturas rígidas e modelos de gestão voltados somente para resultados financeiros ainda prejudicam os avanços do país”, diz ele, que fala com a autoridade de quem atua como conselheiro em inovação do governo americano, e é autor de dois livros sobre o assunto: Shared Minds: The New Technologies of Collaboration, e Jogando pra Valer (Serious Play: How The World’s Best Companies Stimulate to Innovate).

O que falta para as empresas brasileiras se tornarem inovadoras em âmbito internacional?
Os empreendedores brasileiros estão entre os mais bem preparados, motivados e abertos que conheci. São famintos por negócios inovadores, como já foram os do Vale do Silício. Nos próximos anos, as empresas do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) vão ser as grandes inovadoras globais. Mas há alguns desafios a serem superados. E não se trata de dinheiro. Existe uma falta de cultura da inovação nas organizações desses países, incluindo o Brasil. As empresas ainda se esforçam pouco para criar um ambiente que incentive o compartilhamento de informações entre as pessoas e a colaboração cruzada entre departamentos. Essa troca aumenta a chance de se criar produtos ou serviços surpreendentes. Uma estrutura rígida torna a inovação um mero acidente de percurso, e não um processo natural, que faz parte do modelo da empresa.
Quais são os maiores desafios do Brasil?
A lista de obstáculos é grande: infraestrutura de suporte inadequada, intranets medíocres e ferramentas de feedback, como avaliações 360º, utilizadas sem eficiência. Um funcionário inovador, por exemplo, costuma ter de esperar pela aprovação do seu chefe para realizar qualquer ação que envolva alianças com outras áreas e criação conjunta.
Como implantar então uma cultura da inovação?
Em geral, as inovações mais importantes resultam da interação e colaboração entre pessoas talentosas, e não de uma iniciativa individual. O ponto-chave para se criar uma cultura de inovação na empresa passa por não “empoderar” apenas os funcionários mais inovadores, mas tornar o mais fácil possível que pessoas talentosas trabalhem juntas. Há empresas que têm conseguido construir bons modelos. Um bom exemplo é a Embraer, que, apesar de ser uma grande corporação, tem lições que servem para empresas de qualquer tamanho. Nem sempre a Embraer esteve entre as marcas mais inovadoras. Mas tudo começou a mudar quando entrou em cena um de seus mais importantes clientes, a Jet Blue, que promoveu um ótimo sistema de colaboração na criação de aviões sob medida para suas necessidades. Os executivos da Embraer reconhecem que sem as demandas da Jet Blue a empresa não teria se tornado tão colaborativa. A nova geração de jatos projetados por elas, em parceria, levou a brasileira a ter um grau de colaboração nunca antes alcançado entre suas divisões.
Qual a importância de investir em tecnologia?
Eis uma questão essencial. Basta lembrar o início dos anos 2000. Naquela época, se uma empresa considerasse importante que todos os funcionários tivessem um celular seria vista como excêntrica. Dez anos mais tarde, todos têm um celular. Na verdade, muitos têm dois aparelhos: um para os negócios e outro para uso pessoal. Há alguns anos, também, ter um computador pessoal era um luxo. Hoje, muita gente acha que deve ter duas ou três máquinas. O mesmo vai acontecer com as novas tecnologias, como o GPS. Quando massificados, os serviços de localização permitem um grau de customização de atendimento e uma oferta de serviços inimagináveis.
As empresas devem planejar menos e testar mais?
Uma das áreas mais importantes de minhas pesquisas se chama gerenciamento de risco em inovação. Acredito que seja um erro de julgamento e de gestão separar inovação de gerenciamento de risco. É comum nas empresas os chefes reunirem um grupo e simplesmente dizerem: “Ei, tornem-se inovadores, ou empreendedores”. É o tipo de abordagem que gera fracassos. E o risco? Fica por conta de quem? Nos Estados Unidos, durante a crise, algumas pessoas criaram instrumentos financeiros inovadores, mas não avaliaram os riscos. Todas as empresas que desejam se tornar mais inovadoras precisam integrar os processos de inovação e de gerenciamento de risco. A melhor maneira de fazer isso é com experimentos, criando protótipos e simulações do novo produto ou serviço.
Como as empresas de pequeno e médio portes podem fazer isso?
As pequenas empresas têm as mesmas chances de criar simulações que as grandes. É uma verdadeira revolução de possibilidades trazidas por tecnologias como computação na nuvem, pelo Google e pelas mídias sociais. Fazer marketing, buscar informações, pesquisar qualquer dado hoje é mais barato e rápido do que jamais foi em toda a história. E vai ficar cada vez melhor. É só uma questão de tempo até que os tablets se popularizem e o acesso à internet rápida seja tão ou mais barato que a eletricidade. Essa base de consumidores conectados vai significar uma mudança radical na forma de fazer negócios. Nesse cenário, veremos uma democratização das plataformas de inovação.
O conceito de inovação está mudando? Os negócios mais bem-sucedidos simplesmente adicionam valores a serviços existentes, não são exatamente novos. Ter uma grande ideia é ótimo. Mas não fundamental para inovar um modelo de negócios. É melhor apostar em um portfólio de pequenas boas ideias.
Quais as grandes tendências de consumo?
Existem duas em curso: a primeira é a facilidade de uso de tecnologias complexas. Tudo ficará mais intuitivo e quase invisível, como faz a Apple, empresa que investe como nenhuma outra companhia, quase como obsessão, na melhor e mais simples interface possível. A segunda é a queda de preços. Empresas telefônicas já usam esse modelo de negócios há muito tempo. Dão quase de graça um aparelho em troca de uma fidelização no serviço. Por outro lado, tecnologias complexas e difíceis de usar vão perder espaço. Há inúmeras funções nos smartphones. Mas quem real¬mente usa tudo? Os inovadores de maior sucesso sempre se concentraram em como os consumidores conseguem mais valor no uso de seus produtos ou serviços.
Poderia citar um exemplo de empresa que faz isso?
É o caso da nova empresa de Jack Dorsey, cofundador do Twitter. Chama-se Square. O negócio se baseia em um dispositivo dado de graça que transforma o iPhone e outros smartphones em um leitor de cartões de crédito e débito. O modelo trabalha uma mudança fundamental na arquitetura da tecnologia de pagamento a cartão ao estender a qualquer pessoa a possibilidade de receber um pagamento por meio eletrônico. Isso se chama “ascensão da interoperabilidade”. No caso do Square eles estão ligando networks de redes sociais, mobile, pagamentos, bancos e cartões de crédito. Esse é um dos desafios da inovação — não basta ligar pessoa com pessoa. A questão é: como conectar redes com redes?
Em seu próximo livro (Getting Beyond Ideas: The Future of Rapid Innovation), o sr. descreve um exercício prático para criar inovações em empresas de qualquer tamanho. Pode nos explicar como?
No livro, eu vou apresentar a metodologia para estimular a inovação que chamo de 5x5x5 (Five by Five by Five). A ideia básica é criar um mercado interno para experimentos provocativos. O que nós fazemos é montar cinco grupos de cinco pessoas de diferentes partes da empresa. O ponto principal é que eles têm apenas cinco dias para trazer um portfólio de cinco experimentos de negócios. E esses não podem custar mais de US$ 5 mil para serem feitos e não podem durar mais do que cinco semanas. A razão pela qual eu proponho o número cinco serve apenas para estabelecer limites e parâmetros, importantes para provocar inovações. Esse grupo de funcionários talentosos terá de apresentar os projetos para a alta cúpula da empresa.
O sr. tem provas de que esse método funciona?
Em uma matemática simples, os cinco grupos terão criado 25 projetos. E eu posso dizer pela experiência nas dezenas de empresas nas quais já apliquei esse método, que de 10% a 15% desses experimentos serão brilhantes e realmente úteis. Ou seja, haverá três ou quatro projetos intrigantes que farão a alta administração dizer “Uau”. Esse trabalho sempre gera de três a seis inovações rápidas, baratas e acessíveis, que têm o poder de transformar o negócio e a rentabilidade. É um bom investimento: fazer as pessoas colaborar e inovar juntas.
Qual é o feedback das empresas?
Quando eu retorno às empresas e pergunto aos participantes o que eles acharam de mais útil na experiência, ouço que foi um investimento em suas próprias capacidades de inovar. Isso ocorre em cerca de 60% dos casos. As pessoas gostam do 5x5x5 porque as ajuda a se tornarem mais inovadoras. Os funcionários ficam contentes que a companhia tenha investido em seu potencial. Na verdade, tenho percebido que os envolvidos valorizam muito a troca e o capital humano compartilhado nesse tipo de interação.
Por Sérgio Tauhata   
Fonte: Pequenas Empresas Grandes Negócios
MICHAEL SCHRAGE
QUEM É: graduado em ciência da computação e economia pela Universidade de Illinois, foi correspondente da editoria de tecnologia do jornal Washington Post e ajudou a criar o prêmio de ciências da Rockefeller Foundation
O QUE FAZ: professor de empreendedorismo e inovação do MIT, blogueiro da Harvard Business Review e escritor. Seu novo livro, Getting Beyond Ideas: The Future of Rapid Innovation), com lançamento previsto para abril, vai tratar da inovação rápida para empresas de todos os portes

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